PECUÁRIA SUSTENTÁVEL

Pará começa a colocar chips em bois; entenda o motivo

16 SET 2024 • POR • 09h27
Governador do Pará Helder Barbalho (MDB) colocou brinco no 1º boi do estado a ser incluído no Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA). O evento aconteceu. O evento aconteceu no Parque de Exposições Orlando Quagliato, em Xinguar - Imaflora

O Pará se tornou, na última quarta-feira (11), o primeiro estado do Brasil a lançar uma política pública que promete rastrear a vida dos bois do nascimento ao abate, com o objetivo de garantir uma carne livre de desmatamento.

Participe do grupo do O Norte no WhatsApp e receba as notícias no celular.

Atualmente, nem mesmo o governo federal tem uma medida semelhante, embora o tema esteja discussão no Ministério da Agricultura desde maio.

+ A ideia do governo do Pará é colocar chips e brincos nas orelhas dos bois, com numerações individuais – como os nossos "CPFs" – que devem ajudar a verificar se os animais nasceram ou passaram por uma fazenda com irregularidades ambientais e até mesmo com trabalho análogo à escravidão.

O programa está sendo chamado de Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA).

O primeiro boi a ganhar um "CPF" foi batizado de "Pioneiro" (imagem abaixo). Ele recebeu o brinco na última quarta-feira, em Xinguara (PA), pelas mãos do próprio governador Helder Barbalho (MDB), que prometeu rastrear todo o rebanho do Pará até o final de 2026, quando termina o seu atual mandato.

O estado tem, hoje, 24 milhões de bovinos, o segundo maior rebanho do Brasil, atrás somente do Mato Grosso, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O que já foi definido: o governo do Pará já estabeleceu como será feita a identificação dos bovinos e o sistema onde os dados dos animais serão registrados – três portarias já foram publicadas sobre esse tema.

O que falta: o estado ainda precisa publicar as normas de como os dados dos bois serão cruzados com informações socioambientais para garantir uma carne livre de desmatamento.

Por que isso importa? O Brasil, como maior exportador de carne bovina, enfrenta pressões para garantir que sua produção não esteja ligada ao desmatamento, especialmente na Amazônia Legal, que abriga 44,3% do rebanho bovino do país.

Em janeiro de 2025, a União Europeia vai proibir a entrada de qualquer produto que passou por área desmatada. A China, que é o nosso principal comprador, publicou, em 2021, regras para evitar a importação de produto associado ao desmatamento.

Alguns frigoríficos do Pará – e de outros estados da Amazônia – já verificam a origem do animal.

Isso porque, a partir 2009, muitos deles assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) junto ao Ministério Público Federal (MPF), se comprometendo a não comprar bois de áreas desmatadas. Mas ainda há problemas:

hoje, o único controle de entrada e saída de bois das fazendas é feito pela Guia de Trânsito Animal (GTA), que identifica apenas a origem dos grupos de animais, mas não a de cada um individualmente; a maior parte dos frigoríficos só checa a situação dos seus fornecedores diretos, ou seja, das fazendas que engordam os bois;

Não existe a mesma verificação dos fornecedores indiretos, que são, geralmente, as fazendas que criam bezerros e bois magros.
A identificação individual de bois, com brincos e chips, pretende resolver os gargalos acima .

Foto: Bárbara Miranda, Bruna Azevedo, Bianca Batista e Luisa Rivas | Arte g1

Como o boi paraense vai ganhar 'CPF'

Em entrevista ao g1, o Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará, Raul Protázio Romão, explicou que o sistema que vai reunir os dados dos bois é o Sigeagro.

É um programa do estado do Pará que atualmente registra informações de propriedades rurais, como o número delas no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

O CAR é um documento público nacional que mostra onde fica a fazenda e a sua situação ambiental: se tem áreas de preservação, reserva legal, etc.

"A única coisa que vai mudar é que os dados individualizados dos animais vão passar a integrar essa base [do Sigeagro]", explica Romão.

No sistema, o pecuarista vai inserir informações como o sexo, a data de nascimento e as vacinas do seu rebanho. Esses dados serão vinculados a uma numeração que sempre vai começar com 076, seguida por mais 15 dígitos. A emissão dos números será feita pelo Ministério da Agricultura.

O "076" é o prefixo do Brasil na Organização Internacional de Normalização (ISO), uma entidade global que desenvolve normas para bens e serviços.

Os números ficarão registrados em brincos amarelos e chips na cor azul que serão colocados nas orelhas dos animais.

Como garantir carne livre de desmatamento?

O governo ainda precisa formalizar a maneira como os dados dos 'CPFs' dos bois serão usados para garantir a origem da carne.

Romão adianta que as informações serão analisadas levando em conta os critérios dos acordos já firmados entre os frigoríficos da Amazônia e o MPF.

Segundo esses termos, as empresas da região não podem comprar gado de fazendas que têm desmatamento ilegal, trabalho escravo ou sobreposição com terra indígena, quilombola e unidade de conservação.

Para se chegar a essa conclusão, os frigoríficos cruzam dados do CAR e das GTAs das fazendas com imagens de satélites e diversos documentos, como embargos ambientais, lista suja do trabalho escravo, etc.

De acordo com Romão, o próprio governo do estado fará essa análise de dados e os disponibilizará em uma plataforma chamada Selo Verde.

"O Selo Verde já existe no estado, mas nós vamos adaptá-lo com as informações individuais dos bois. Assim, o frigorífico vai poder saber que o 'animal 327' nasceu numa propriedade dentro de uma terra indígena e que, portanto, não vai poder comprá-lo", diz Romão.

Alguns frigoríficos da Amazônia já possuem sistemas para rastrear a origem do boi. Para esse grupo de empresas, o secretário diz que o governo pode desenvolver APIs, que permitem conectar sistemas para troca de dados.

Como ficam os pequenos produtores?

Romão diz que a proposta do governo tem sido bem recebida por grandes pecuaristas da região, pois muitos deles já fazem identificação individual dos bois para gerir melhor as fazendas.

Sem contar que, para os grandes, não sai caro implementar a rastreabilidade com chip, pois os custos do processo se diluem nos custos das empresas.

Mas os pequenos produtores vão precisam de apoio, já que muitos não têm a mesma capacidade de investimento das grandes fazendas.

Por causa disso, o governo do Pará está prometendo doar 4 milhões de pares de brincos e chips aos pequenos.

"Estamos falando de 60 mil a 70 mil propriedades que se enquadram nos requisitos para receber a doação", afirma Romão.

Por outro lado, o secretário diz que o governo está atrás de parcerias para viabilizar a colocação dos brincos e dos chips no rebanho das pequenas fazendas.

O processo de instalação precisa, por exemplo, de bretes ou troncos, que são estruturas que seguram os animais enquanto eles recebem os acessórios. Nem todo produtor tem esses equipamentos, que são mais caros do que os brincos e chips.

"O brinco não vai ser problema. Ele custa R$ 10 por cabeça. Mas a instalação dele sai R$ 30 [por boi]", explica Romão.

Por isso, a ideia do governo é rodar pelo estado com caminhonetes para levar bretes móveis às pequenas propriedades.

Como estão sendo os debates

Os critérios que os frigoríficos da Amazônia seguem – e que o governo do estado do Pará deve adotar – foram desenvolvidos pela ONG Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), em conjunto com o MPF.

Marina Guyo, que é gerente de políticas públicas do Imaflora, explica que a ONG também faz parte do Conselho Gestor que define as regras do programa do Pará.

Outra ONG que faz parte do conselho é a The Nature Conservancy (TNC), além de associações de indústrias e agricultores do estado. Quem preside o conselho é a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará).

"O conselho tem sido bem ativo, com reuniões uma vez por mês. Pelo nível de envolvimento dos atores, a gente pode dizer que tem sinais positivos de engajamento político", comenta Marina, do Imaflora.

Para Marina, um dos destaques dessa política pública é que ela não vai excluir pecuaristas que têm pequenas irregularidades junto ao estado.

Um exemplo disso é quando um pecuarista desmata dentro do limite permitido pelo Código Florestal, mas sem a autorização do governo estadual.

Na Amazônia, os produtores rurais podem desmatar até 20% da sua propriedade, mas precisam preservar os 80% restantes.

"Neste caso, ele tem uma irregularidade administrativa que não é tão grave quanto invadir terra pública ou desmatar além do percentual. Então, a partir do programa de requalificação comercial, ele vai se comprometer com a regularização, e será monitorado pelo governo do estado", explica.

Política pública mais ampla

Romão, do Meio Ambiente, explica que todas essas medidas fazem parte de uma política pública mais ampla, que foi batizada de "Programa de Integridade e Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Pecuária de Bovinos e Bubalinos Paraenses".

A medida tem três eixos: a rastreabilidade individual (que é o processo de colocar brincos nos bois); a integridade socioambiental (que é a garantia de que o animal não veio de área desmatada); e o desenvolvimento da pecuária (governo prevê crédito e assistência técnica para melhorar a produção).

O g1 procurou a Adepará para entender mais sobre o programa. Em resposta, o órgão enviou um cronograma dos prazos de implementação da política pública. Veja a seguir.

Cronograma

Até 31 de dezembro de 2025: os produtores deverão, obrigatoriamente, identificar – com brincos e chips – todos os bois que serão movimentados dentro do estado, seja para abate, cria, recria, engorda, leilões e exportação;
Até 31 de dezembro de 2026: todo boi que foi ou não movimentado dentro do estado deverá ser identificado.
O sistema também será dividido em três fases, começando pelas regionais com o maior número de rebanhos.

1ª fase: Marabá, Tucuruí, Novo Progresso, Xinguara, Redenção, São Geraldo do Araguaia, Altamira, Rondon e Tucumã – programada para 2024 e 2025;

2ª fase: Abaetetuba, Castanhal, Capanema, Capitão Poço, Santarém, Oriximiná, Itaituba e Paragominas – janeiro a dezembro de 2025.

3ª fase: Almeirim, Soure, Breves – a Adepará não detalhou as datas dessa etapa. O g1 questionou o órgão, mas não houve resposta até a publicação dessa reportagem.

*G1 Globo