O juiz Antonio Dantas de Oliveira Junior se despediu da Vara de Execuções Penais de Araguaína onde trabalhou por quase 10 anos e em carta aberta explicou a motivação de seu trabalho e deixou uma mensagem pedindo mais humanidade às pessoas encarceradas.
"Já fui taxado de defensor de bandidos", afirma o juiz destacando que o motivo seria o fato dele sempre ter cobrado respeito e direitos a serem assegurados às pessoas encarceradas. Mas a jornada não foi nada fácil para o juiz: "O tempo passava e eu percebia a discriminação sofrida pelos reeducandos, e comigo também", contudo acredita que exerceu seu papel constitucional: "se em algum momento errei, não foi por omissão".
A carta assinada com a data desta segunda-feira (30), foi distribuída por determinação de Antônio Dantas, em todas as celas do Barra da Grota e Casa de Prisão Provisória de Araguaína (CPPA).
Respeito
No início do documento, Dr Dantas, como é conhecido, lembra que assumiu o cargo em um momento bastante delicado logo após uma das maiores rebeliões já registradas no Presídio Barra da Grota, registrada em 2010: "No carnaval de 2011 fui acionado para dirimir a primeira situação de risco com um detento que se encontrava em uma cela na UTPBG, com outros reeducandos, com a testa sangrando e jogando fezes na parede. Em razão do ocorrido, na época, um agente contratado perguntou: "O senhor autoriza a nossa entrada para resolver o problema?" Eu respondi, não. Antes de qualquer intervenção com o uso da força deve ser precedida de diálogo", relata.
Dra Dantas destaca que sempre sonhou com uma nova visão do sistema prisional pautado no respeito por parte de agentes e reeducandos, apesar de a concretização disso esbarrar no preconceito.
Apesar da difícil missão, Dr Dantas não desistiu e colocou em prática junto com sua equipe, cerca de 20 projetos de ressocialização nas unidades prisionais, envolvendo a atuação dos detentos tais como trabalhos de horta, fabricação de tijolos, música, leitura, bem como o acolhimento psicossocial conjunto de detentos e familiares através da Justiça Restaurativa.
"Nunca, jamais deixei de acreditar na mudança do perfil de um "criminoso" e o seu retorno sadio ao convívio social, desde que ocorra um investimento humanizado em pessoal, isso porque ninguém nasce bom ou mal, mas, a depender do seu meio, tende a um dos lados", explica.
Reflexão
"Algumas vezes, cheguei a perguntar aos reeducandos ou socializandos se eles conheciam o significado da palavra empatia, isto é, não faça com o outro aquilo que você não quer que seja feito contra ti. E eu continuava: "Vocês amam alguém ou a si próprio?" A maior parte dizia que sim, e não queria que nada de ruim acontecesse com as pessoas amadas, daí surgia um momento reflexivo”, escreve Dr. Dantas.
No entendimento do juiz, as pessoas precisam olhar para os reeducandos com mais humanidade: "Os presídios não podem ser vistos e administrados como ocorria na idade média, nas masmorras”, observa condenando os maus tratos: "O Estado não tem legitimidade para humilhar, torturar pessoas que estejam presas pelo simples fato de serem presos" e acrescenta: “Na minha trilha desses quase 10 anos, sempre ouvia que ninguém olhava para as vítimas, nem para os doentes na fila do Sistema Único de Saúde. Ora, uma coisa não exclui a outra, entretanto o Estado tem o dever de assegurar saúde a todos, inclusive, às vítimas e seus familiares, como também tem o dever de manter a dignidade das pessoas encarceradas, independentemente da sua conduta criminosa”.
O magistrado deixa registrado na carta o seu incentivo aos detentos em não desacreditarem de suas capacidades e da possibilidade de sair da prisão como pessoas melhores.
Por fim, Dr Dantas encerra suas palavras dizendo: “Fiz o máximo que pude por um sistema prisional melhor, sei que foi pouco, mas tenho a convicção que as sementes ficam e os homens passam, e, lamento por todos aqueles que criaram dificuldades na estruturação e manutenção de alguns projetos no sistema prisional, pois não ofenderam a mim, mas a própria dignidade, e aos anseios da comunidade que é a maior beneficiada, no instante em que cada egresso, recuperado, retorna ao seu meio”, pontua.
O juiz agora vai atuar na 2º Vara Criminal em Araguaína.
Leia a carta na íntegra logo abaixo: