Tony Veras/Daniel Lélis
Da Redação
Três semanas após pedirem demissão do Hospital Regional de Araguaína (HRA), os cirurgiões plásticos Francisco Leopoldo Ferreira Pereira e Celso Mangili contam em entrevista exclusiva ao Portal O Norte as razões que levaram a esta decisão e denunciam a situação caótica do Regional.
Na época, em resposta a uma matéria publicada no site sobre o fato (confira a reportagem na íntegra aqui) a assessoria da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) confirmou os pedidos de demissão de quatro médicos, incluindo os entrevistados e mais dois: Vírginia Celle Brito Tavares e Wilmar Henrique Castilho Martinez. Na oportunidade, o órgão comunicou que teria dado início ao processo de contratação de novos cirurgiões plásticos para atuar no HRA e assegurou que mesmo diante da ausência dos profissionais referidos, nenhum paciente ficaria desassistido.
Razões dos pedidos de demissão
Celso Mangili, que veio de São José do Rio Preto (SP) em 2005 para trabalhar no HRA, afirma, que diferente do que informou a Secretaria de Saúde, os pedidos de demissão não foram feitos por motivos de ordem pessoal. Segundo ele, a decisão de sair do Regional foi tomada por conta da situação caótica do hospital: “Chega uma hora em que você cansa de dar murro em ponta de faca”, desabafa o médico, que completa dizendo: “Cansamos de esperar uma resposta por parte da Secretaria para os graves problemas enfrentados pelo HRA”.
Questionado quanto à perda da estabilidade que tinha no cargo concursado que ocupava no HRA, Leopoldo Ferreira, que trabalhava no hospital há 13 anos, explica: “Benjamin Franklin dizia que a pessoa que troca a sua liberdade por segurança não merece nenhuma das duas coisas. Não é porque um concurso pode te dar segurança e estabilidade financeira, que você deve aceitar tudo”. Ele ainda assegura: “Nossa briga não é por dinheiro, mas por respeito por aquilo que a gente faz”.
Falta de estrutura
De acordo com os médicos, a maior razão de terem pedido demissão é a ausência no Regional de uma estrutura adequada para que eles possam exercer as suas funções. Para eles, há um descaso muito grande para com a cirurgia plástica no Regional.
O Centro de Queimados, que, segundo Leopoldo, é credenciado ao Ministério da Saúde desde 2002, nunca funcionou como deveria, pois em tempo algum, ofereceu condições mínimas para os profissionais fazerem o seu trabalho com segurança: “Hoje no lugar onde era o Centro de Tratamento de Queimados funciona uma enfermaria de neurocirurgia e o Centro de Referência para Tratamento de Fissurados, primeira auto-complexidade credenciada no HRA e a única na Região Norte, também não está em atividade”, pontua o cirurgião.
Leopoldo menciona o caso de uma criança que nasceu com genitália ambígua e teve que ser encaminhada a um hospital de São Paulo para fazer uma cirurgia que já é realizada em Araguaína: “A criança foi levada para São Paulo em uma UTI aérea. Lá eles devem ter dado risadas da situação, uma vez que além da facilidade do diagnóstico dessa enfermidade, há inúmeros casos destes tratados aqui, inclusive com apresentação em congressos e publicação”, destaca o especialista, que também sustenta: “Fazem encaminhamentos em UTI aérea, a custo altíssimo, através de TFDs (Tratamento Fora de Domicilio), de casos que poderiam estar sendo tratados aqui. Só um transporte destes, deve custar em torno de 48 mil reais”.
Ainda segundo o médico, há profissionais no HRA fazendo serviços que não são de sua competência: "Isso tem sido constrangedor tanto para o paciente, que precisa de cuidados, quanto para o profissional, que é obrigado a tratar aquilo que não está dentro de sua especialidade”.
Equipe incompleta
Leopoldo afirma que para a equipe de cirurgiões possa funcionar adequadamente é necessário ter no mínimo 5 profissionais. Cada um, segundo ele, deve trabalhar 40 horas, fazendo 7 plantões mensais: "Só dessa maneira, é possível fazer a cobertura de uma escala completa de 35 dias", diz.
O cirurgião aponta ainda que a equipe nunca contou com o número mínimo necessário: “A doutora Vírginia estava afastada por problemas de saúde e outro médico que foi contratado resolveu sair menos de 1 ano depois de ter sido contratado. Dessa maneira, a equipe só contava com Castilho, Celso e eu”, destaca Leopoldo.
Problema antigo
Os problemas do HRA, de acordo com os entrevistados, são antigos e só tem se agravado nos últimos tempos. Celso conta que desde quando chegou ao hospital, o Centro de Queimados só existe no papel e os serviços para os fissurados funcionam precariamente: “Falta equipamento, material e até profissionais”, reclama ele.
Segundo os médicos, várias vezes a Sesau prometeu tomar providências para resolver as problemáticas do hospital, contudo, nunca as solicitações de melhorias feitas por eles foram efetivamente atendidas.
Suposta irregularidade
Ainda de acordo com Leopoldo, o HRA estaria funcionando irregularmente. Isso porque, por uma exigência legal, o hospital seria obrigado a ter uma diretoria técnica, o que, segundo ele, não existe: “No Regional há um diretor administrativo, mas não há, como manda a lei, o diretor técnico, que deve ser médico”, destaca ele.
Insegurança profissional
O pedido de demissão dos médicos também está relacionado ao temor dos profissionais quanto a uma eventual punição do CRM (Conselho Regional de Medicina). Isto porque, de acordo com eles, o Código de Ética da categoria determina que o profissional é obrigado a verificar as condições do local que vai trabalhar, de maneira que há a possibilidade de os profissionais também serem responsabilizados pela falta de condições de trabalho do hospital. Dessa maneira, afirma Mangili, "há um grave risco para a integridade profissional dos médicos que continuam trabalhando no HRA, mesmo em condições inadequadas".
Negociações
Os médicos contam que tentaram buscar um acordo com a Sesau para permanecer no Regional. Leopoldo afirma que foi enviado a Secretaria um conjunto de solicitações que condicionariam a permanência dos profissionais no HRA. Dentre elas estavam: contratação de novos cirurgiões plásticos para compor a equipe e atender a grande demanda do hospital, delimitação de funções, melhores condições para execução dos serviços e equiparação salarial.
Ainda de acordo com Leopoldo, a Sesau teria até o dia 4 de abril para atender as reivindicações. Como não o fez, o pedido de demissão foi a única alternativa que lhes restaram.
Expectativas
Questionados no final da entrevista sobre a disposição dos mesmos para retornar às suas respectivas funções no HRA, os entrevistados responderam que depois da demissão não foram mais contatados oficialmente pela Sesau. A despeito disso, os médicos não descartam a possibilidade de voltarem a negociar com a Secretaria de Saúde: “Fizemos nossas propostas, apontando todos os pontos que precisam ser melhorados, especialmente na parte estrutural. A Secretaria tem duas opções: ou contratam novos profissionais, o que deve ter um custo muito elevado, ou negociam conosco”, explica Celso.
Para Leopoldo, se a Sesau entende que deve contratar médicos de fora, deve fazer isso em regime de urgência. Segundo ele, essa não seria a alternativa mais viável: “Partir do zero e montar toda uma equipe novamente, ao invés de negociar com os que já trabalham no HRA há muito tempo e amam o que fazem, não é uma atitude sábia”, finaliza o cirurgião.