Durante depoimento à Polícia Civil, a médica Marcelle da Silva Costa, que foi indiciada pelo homicídio culposo de Karle Cristina Vieira Bassorici e seu bebê, negou que tenha agido de forma negligente. Ela relatou que clínicos gerais são responsáveis por atendimentos às gestantes no Hospital e Maternidade Dona Regina Siqueira Campos, em Palmas, e não há orientação clara de quando acionar obstetras.
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Como o inquérito não está mais em sigilo, o g1 teve acesso aos depoimentos tanto de Marcelle, responsável pelo primeiro atendimento de Karle, como dos demais profissionais da unidade que atenderam a grávida no dia do parto. A médicanãose manifestou.
A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que opera com escalas completas de profissionais de saúde, o que inclui especialistas em ginecologia e obstetrícia nos plantões. Também explicou que realiza atendimentos e intercorrências clínicas em gestantes e puérperas e que, caso de dúvidas no atendimento, a orientação é a avaliação conjunta com o obstetra plantonista (veja nota completa no fim da reportagem).
Karle Cristina Vieira estava grávida de 39 semanas. Ela e o bebê morreram no Hospital e Maternidade Dona Regina. — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Marcelle foi indiciada no dia 20 de novembro por por homicídio culposo. Karle tinha sido atendida por ela no dia 29 de outubro. Segundo a Polícia Civil, houve negligência da médica e tanto a mãe como bebê acabaram morrendo, na maternidade, no dia seguinte.
Em depoimento, Marcelle contou que Karle chegou à unidade com queixas de febre alta, congestão nasal e dores lombares leves, além de dificuldade para urinar. Com o quadro apresentado, ela diagnosticou Karle com sintomas gripais de influenza e prescreveu antibiótico como precaução, além de antitérmico e antialérgico.
Mesmo tendo conhecimento de que Karle era uma gestante de alto risco por ter apresentado diabetes gestacional, a clínica geral não pediu exames para saber o estado do bebê. Também não chamou um obstetra porque Karle "não apresentava sinais obstétricos de gravidade, como sangramento ou ausência de movimentos fetais", segundo inquérito.
Por não ser especialista, justificou que atendeu a paciente gestante porque houve mudanças recentes no fluxo de atendimento do hospital que alteraram a dinâmica de atuação dos clínicos gerais. Eles passaram a atender presencialmente os casos clínicos e, segundo Marcelle, não havia nenhuma orientação clara sobre quais situações um obstetra deveria ser acionado.
Ela se defendeu afirmando que não agiu com negligência e que sua decisão de não tomar outras medidas foi baseada nas queixas apresentadas pela paciente. Mas reconheceu que se ela tivesse sido atendida por um obstetra, a abordagem médica poderia ter sido diferente, mas "não necessariamente com outro desfecho", diz o documento da Polícia Civil.
Primeiro atendimento levou às mortes
A polícia também ouviu outros médicos que atenderam Karle no dia 30 de novembro, quando ela retornou ao Dona Regina. Um dos médicos relatou que a paciente chegou com dor abdominal intensa e sofrimento fetal, ou seja, o bebê estava com os batimentos cardíacos baixos, e sinais de descolamento parcial da placenta.
Ela foi levada para fazer uma cesariana de emergência, mas o bebê já estava morto. O médico disse que como Karle tinha dificuldade para urinar, isso seria um motivo para pedir mais exames para identificar ou descartar uma infecção urinária.
O profissional ressaltou que havia obstetras de plantão no dia 29 de outubro e que indicaria a realização de exames mais detalhados e observação. Ele destacou "falhas graves na condução do caso por parte da médica Marcelle no dia 29, incluindo omissão de exames básicos, negligência ao liberar a paciente sem observação e desconsideração dos sinais de risco".
Outra profissional que acompanhou a cesariana de Karle destacou em depoimento que o sofrimento fetal era evidente, mas não podia afirmar com precisão há quanto tempo o bebê estava em sofrimento. Segundo ela, a ausência de exames no dia anterior impediu o diagnóstico precoce de complicações.
Outro médico que atendeu Karle no momento do parto afirmou em depoimento que a realização de exames para saber o estado do bebê, embora não garantir que o óbito da mãe poderia ter sido evitado, aumentaria as chances de salvar a criança. Também destacou que em um hospital de referência como o Dona Regina, é essencial que gestantes sejam avaliadas por obstetras antes de serem liberadas.
A causa da morte de Karle foi embolia pulmonar, segundo laudo do Instituto Médico Legal (IML). A Polícia Civil indiciou a clínica geral Marcelle por homicídio culposo, pela negligência no atendimento que contribuiu com a morte da mãe e do bebê.
Vistoria e pedido de regularização
Após a morte de Karle, o Ministério Público Estadual (MPE) e o Conselho Regional de Medicina fizeram vistorias no Hospital e Maternidade Dona Regina. Foram apontados problemas estruturais e grande volume de trabalho para poucos profissionais nas escalas.
O MPE entrou com uma Ação Civil Pública pedindo que o Estado regularize a escala de obstetras e pediatras na sala de parto do Hospital e Maternidade Dona Regina.
O que diz a SES
A Secretaria de Estado da Saúde (SES-TO) informa que o Hospital e Maternidade Dona Regina Siqueira Campos (HMDR), que responde pelo cuidado de alta complexidade no Estado, opera com escalas completas de profissionais de saúde, dentre eles médicos especialistas em Ginecologia e Obstetrícia de plantão.
A SES-TO esclarece que a clínica médica do HMDR realiza atendimentos e intercorrências clínicas em gestantes e puérperas, sempre atentando para o fato de que este atendimento, no caso das gestantes, deve levar em consideração o binômio mãe e bebê. Em caso de dúvidas no atendimento ou queixas relacionadas à obstetrícia, a orientação é a avaliação conjunta com o obstetra plantonista.
A Pasta pontua que tem tomado medidas estratégicas para fortalecer a rede de cuidado materno-infantil no Tocantins, com foco principal nas unidades hospitalares estaduais que realizam partos, em especial o HMDR, que segue abastecido de materiais, medicamentos e insumos para funcionamento de rotina e não enfrenta falta de profissionais que comprometa a assistência à população.
*G1 Tocantins